Ajudar
Nelson “Henda” Vieira Lopes | psicólogo, terapeuta familiar e educador multicultural
Cada gota enche o copo
Olhamos e vemos sofrimento, mas nem sempre quem precisa de ajuda está pronto para a aceitar.
Como se faz, como se sente?… Quando reconheces sofrimento e te sentes convocadx para ajudar?… mas depois és tu que pareces "querer" mais o bem da pessoa do que a própria. Olhas e vês uma vítima paralizada, não se mexe para saír... como se faz, quando isso nos leva ao desconforto, à frustração, à zanga.
Começa porque acreditamos… acreditamos que podemos ajudar as pessoas. Mas podemos? Se toda a mudança é interior então toda e qualquer mudança que venha de fora não é mudança é coação, mas somos tão donos de nós, que até na coação temos possibilidade de escolha.
A escolha de mudar faz parte do nosso livre arbítrio, da responsabilidade última que cada um tem com a sua própria vida, pois é o único que pode efectivamente fazê-la.
Olhamos para certas pessoas com imensas posses e são infelizes, olhamos para certas pessoas com escassez de recursos e são felizes, olhamos para pessoas de sucesso aos olhos de todos e eles sentem-se uns fracassados... tudo isso porque cada um de nós é que cria o mundo onde o seu interior habita.
Aprendemos desde pequenos a fazê-lo, sim, quando bebemos sem filtro as estratégias e valores de vida que depois nos vão ajudar a crescer… ou não!
A vítima e o agressor, numa relação abusiva, são muitas vezes parte de uma dança de carências mútuas, em que vítima e agressor se descobrem em papéis rígidos que abrem a porta para cada um arremessar às suas carências ao outro. A vítima precisa de um agressor para dar sentido à sua vida, e o agressor precisa de uma vítima para dar importância à sua.
Compreender não é ilibar, não se iliba o agressor… mas também não se iliba a vítima. Ambos precisam aprender a cultivar o lado de si que quer crescer, e isso implica desmontar aprendizados antigos e tóxicos… e custa muito… muito. É como arrancar aquela lasca de madeira que só dói quando tocas, mas que sempre que tentas tirar… dores horríveis.
Por isso muitos escolhem viver com a lasca de madeira… afinal, “com cuidado só doi de vez em quando!”
Nem sempre se escolhe bem… mas quando se escolhe, é-se livre… livre até de escolher a mudança agora, ou mais tarde...
Proponho amor, empatia e compaixão com raízes nos pés e nuvens no cabelo. Mas empatia não é só sentir o outro... de nada serve sentir o sentir do outro, se depois não conseguimos regressar.
Há que ser tocado e transformado… mas não “alterado”.
A ti outro, não te posso fazer feliz, mas posso criar experiências maravilhosas para nós com palavras, gestos e momentos. Momentos genuínos, cheios de amor, empatia, compaixão e possibilidades. E se, e só se quiseres... podes deixar-te transformar por isso!
Chamo a isso livre arbítrio.
Cada gota enche o copo… Mas o copo só transborda quando tu assim o escolheres.